sábado, 17 de dezembro de 2016

Simplesmente poderosa

quando menina
Analice esqueceu o sorriso
na esquina da rua bocaiuva com Correia Machado
um viaduto, uma vontade de pular da vida
tanto infortúnio
no vai e vem de uma existência micharia
as faces muchas e os calcanhares rachados
ao sol, ao sol, toada da ida suada
Analice desconhecia das fragrâncias das namoradeiras
e sua mente se poluía com o apito pedagógico das fábricas
Donizeth não a quis por amor
e se procriaram por acaso
pura carne e aflições
serviçal que foi até que lhe caísse a ficha
que mulheres vão a luta
até que se assumisse o que de belo havia nela
juntou papelão, latinhas e se virou nos trinta
aprendeu manicure, pedicure, maquiagem e outras fitas
fez supletivo primeiro e segundo grau
deixou de ser domestica, do lar e mais o escambau
trocou Donizeth por um homem mais feio, mas interessante
sentiu seus dias se tornando menos massantes
não teve mais crias
usou pilulas, preservativos até que fez a ligação tubaria
hoje ela passa na esquina
mais mulher, menos triste, não mofina
plena no seu exemplo de sucesso nessa vida
e fica aérea absorta nos vais e vens das suas lidas
ficou mulher fina, consume cultura
assistiu titanic e toda a série crepúsculo
ouve DVD, lê revista caras
e é proprietária de salão de beleza, profissional liberal
e rompeu completamente com aquele passado mal fadado
daquele tempo perdido
agora somente a lembrança auditiva
do fuzuê da meninada quando aquele bom moço passava
nos trilhos da central do Brasil
ela era toda desengonçada
requebra que te dou um doce
era pra ele, para ela nada.
Analice agora é vedete
fez tratamento de dente
tem sorriso reluzente
já foi até chamada de tchutchuca, de cachorra
e mais uai, viajou pra Paraguai
semanalmente vai coma as amigas à quarta da viola
toma drinks com engov pra se prevenir de ressaca
quem a viu, quem a vê
Analice deu a volta por cima
que seja também com você! 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Não porquê fosse Natal ( Depois da festa )



o que seria da gente sem um punhadinho de gente brilhante
é que tem uns e outros
que não se apagam nem no escuro
do jeito que você esteve pra mim naquele momento
bem mais que todo mundo e em toda a vida
e olha que não era natal nem ano novo
era somente você novamente
constante do jeito que os dias me acometem
entra ano e sai ano com a gente se escorando
com tudo que rimos e choramos
ou perdemos, ou conquistamos
eu sofro dessas gentes
você é como aqueles outros poucos
e aquelas meninas alegres da década de oitenta
quando pensa que não
clareiam caminhos pra que a gente se orienta

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

blim blom


Cada um por si e Deus por todos
replica a sentinela
O lado de lá é a cidade
O lado de cá é a favela

o lado de lá são milhões em vinténs
o lado de cá milhões de ninguéns

aqui na favela a polícia chega mais que a água
na cidade a água deságua aos olhos da gente
na favela é tudo muito diferente
vem quem bate, mas não quem acode

na cidade é cada um por si
na favela tem um tal de arreunir
a cidade é de uma beleza
a favela mais a própria natureza


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

DO JEITO QUE VIEMOS AO MUNDO






quando você encosta seu corpo no meu
ele quer do seu tudo que está guardado
malvada roupa, embrulho empecilho
até que lancemos de nós essas coisas
para d'outro modo nos vestirmos
despidos e perdidos nesta paisagem frenesi
Olha pra mim já inteira nua Moacir dos meus prazeres
antes me atenda somente e último pedido
deixe por fim tua peça intima branca
envólucro aos dentes da minha exasperação
para depois lhe ser língua e toda entrância
no ápice da nossa farta imaginação

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Saudades de Brasil

as sensações que tenho agora
são sedes de solidão
puxaram meu tapete e minha relva
estou em pé à beira do caminho
ruim demais estar sozinho
faz escuro no meu peito
minha voz não acha canto
estou partido, sem partido
desavisado, destituído
sem ter pra onde me transpor
minha crença ficou pisada
minha esperança ameaçada
a desfaçatez se dá ao lado do movimento
do quebra-quebra, do lamento
quando já não resta nem lágrimas
eu quero minha bandeira de volta
não importa a cor eu quero é a paz
tudo é calvário se nada não nos é capaz
preciso reunir amigos em algum cantinho
e refazer a vida mais de pertinho
se não, só será solução se deixar à sorte
não quero comungar agora o solo e a morte
eu preciso e tento me restabelecer forte
restaurar meu título, minha identidade
e me buscar a salvo de tanta maldade

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

muito mais você







Então você fala de quem não tem olhos para te ver
gente surda ao som das suas falas
e analfabeta com as suas escritas
tenha paciência com certas amizades
é que as vezes a luz da gente ofusca

fetiche



me apaixonei por Ana desde cedo
assim que revelei seu segredo
não foi a boca, não foram os seios
nem os pés, nem ancas
nem foi vê-la sem canga
nem também ter ao vento
seu baile dos longos cabelos
não foi vulva, nem nádegas
nem suas pisadas na areia

ôh Aninha, descobri meu paraíso
na extensão do teu umbigo
tão  redondo, raso e silencioso
a conta da ponta de minha língua
que se rente a minha orelha
traz o barulho do mar
igual as ondas de amores
além de tudo limpinho e perfumado
portal para minha alegria

coisa que ninguém desconfia 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

flor do sentimento

Tenho vontade constante de distribuir coisas assim. Colha!
margarida na amarga vida feita para corações 
Mas quando for checar o sentimento que te acolhe
não despetale a flor. Há de doer nela se lhe arrancam do pé
bem me quer, mal me quer
sem solavanco, sem aflições
uma, a uma, cada pétala
deixai que repousem no tempo
a perecer
feito eu, como você
melhor acontecer menos breve
mais vida sem sofrer
sem perder nem dedos, nem orelhas
integra imagem a desaparecer
apenas sensível a sutileza da brisa
que destrói sem que inferniza
como nos destrói outrem
só bem querer, só todo o bem

Nada pra mim importa se você me veio com defeitos


Valternith de sobrenome aristocrático
e de outras firulas mais
vá em paz com suas rosas
e suas outras flores de amores
dispenso também suas palavras melosas
seu carinho suave
seu excesso de perfume
e o seu pudor em demasia
e sua cara de babaca todo dia
você se tornou o meu pacote de cansaço
falta firmeza na pegada
nunca foi do seu jeito que sonhei ser amada
quero homem que me traga frango assado
que esfregue o meu assoalho
que me descasque o alho
que corte com destreza meio quilo de azeitonas
que perceba a lida com a louça
e desencane de eu ser eternamente sua moça
sua menininha de brinquedo e mamãezinha
não me chame de princesa ou de rainha
nem de estrela, nem de lua, nem fofinha
me dê saquê e não água pra beber
de que me serve gente pouco funcional
que não estende a roupa no varal
que não tira do varal, que nem dobra, nem guarda no armário
por mim não precisamos mais nos ver
procura alguma tonta pra você

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

intimismos de brinquedo



poetas demais
poemas nem tanto
poesia de menos
letais  facadas na literatura
amontoados  de  frases  e sentidos pobres
vaidades  sem  patrulhamento
excessos de glórias e lamentos  tolos
a pieguice de mãos dadas com a mesmice
sem cadência, sem ritmo, sem relevância
sem acuidade com a língua, sem linguagem
sem crases ou com excesso das mesmas
e um monte de leitores desavisados
perdidos em romantismos requentados, infantis

tudo é febril
tudo é sutil feito o elefante que virou esquina  afora
tudo coladinho sobre  certas imagens cafonas
cotidiano imbecil e endossado pela falta de leitura
dos mestres daquelas liras agora tão perdidas
que saudade tenho
de Pessoa
de Bandeira
de Drummond
de Leminski
de todos que como Espanca
não espancavam no ofício de criar
Cecília Meireles de obra prima

a poesia virou oficina da orfandade
do genuíno, do importante, rompeu com o brilho
virou troca de gentilezas entre amigos virtuais
e, ainda mais, sem sorte se transformou em esquecimento
no transito dos ignorantes
que excedem em reticências descabidas
ou em erotismos meros desses Rógeres da vida
ele me levou ao céu quando tocou seus lábios em minha boca
meu sangue ferveu ao toque da tua mão
ela é serena como a luz do luar
“quem dera ser um peixe 
para em teu íntimo aquário mergulhar”
estas entre outras loucuras das nossas cabeças

versos intermináveis
laudas incontáveis sem repertório consistente
sem conteúdo, sem materialidade e sem presença de espírito
sem verossímil, sem fictício convincente
sem decência e excesso de charlatanismo
com o endosso dos estúpidos e estapafúrdios
puxando o saco, curtindo
restam-nos apenas os repentes genuínos
porque a demais são decadências
salvo uma exceção aqui e outra ali
o restante faz vontade de dormir
antes de se poder ler até o fim
pobre de mim, pobre de você

chove no molhado
quem tenta a reinvenção da roda
que tenta mas não repete à moda dos virtuosos
e se ilude sem se perceber aquém da mediocridade
inviável explicar a poesia e o poeta confinados na emoção
punheta, falta de razão e comiseração
não fosse a poesia ser possível por pura imposição
nós não seríamos
nós não teríamos
meros esboços
débeis rascunhos
frente a inutilidade
de lápis e papeis às nossas mãos.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

gritadeiro




corpos, prazeres   e  sentimentos  não andam
necessariamente    de mãos dadas. você pode 
se perder ou se esquecer entregue à espera da 
simetria  destas  coisas e por isso eu te repito
gozar  é  fundamentalmente  preciso.  o resto
são        meras     convenções.     abjetal     e 
objetivamente por menor ou maior que seja a 
vontade  ou  o  sentimento,  o prazer  tem um
quê  de  água   quando ardente corrente no rio
libidinoso  da  gente.  não pare siga em frente.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

menos é mais

Tudo demais dá asia
Café, amido 
Poemas em série
Pastagens toda hora, todo dia 
Indigesto o tempo todo
Sua escrita
Mesma comida
Sua fotografia nada rara
Seu romantismo meloso
Excessiva exposição
Gente insistente
Carente, fala e cutucão
Estou dando um tempo de mim
E de todos os outros poetas
Medíocres, constantes e redundantes
Quero o mero sem alarde
Menos doce, menos sal
Mais bandeira, mais pessoa
A mente mais saudável
A vida numa boa
Sem a gente em demasia
Sem poesia o tempo inteiro todo dia

terça-feira, 26 de abril de 2016

poço fumo

doe, fundo
o sofrimento aspirado pelos olhos
enquanto a carne experimenta o lume da navalha
e a alma?
esperou do corpo um mergulho no silêncio
tingido quarto de breu em petição de calma
e ia a fome no estômago vago
conduzir os dentes aos joelhos
uma postura de paciência inesgotável
com mãos abertas e pés em aço descalços
aquela imagem de zumbi
sem o que beber, nem comer, nem curtir
em meio as convulsões loucas, as contorções
enquanto ia pelas veias
as substâncias e outras gamas do submundo
quem dera que Aninha se safasse do crack
e não se desse sem prazer de qualquer jeito
para não parir mais sofrimento e medo
porque ninguém acode
porque misericórdia sempre foi enganação
circunscrita a pão dormido e oração
Senhor, livrai-nos todos do mal dos homens
principalmente dos deputados e senadores destorcidos
conclamo gritos para despertar espíritos
essa gente ralinha é do bem
só se perdeu no tempo sem asas ao vento
são quem ao mundo em nada convém
não são mais gente, nem ameaçam
Pobre Aninha com os seus iguais
sujeira, necessidades e ais
ao léu, ao fel da obstinação
Sem aniversário, sem salário, sem parentes
sem peso, sem bom movimento, sem semente
sem saber morrer acostumados com o que sente.