domingo, 19 de abril de 2015
Vontade de acolá
Eu tenho a história encravada na pele
Meu tempo da Ponte de algum modo se foi
mas em mim não se perde
tinha um rio que corria e minha tia
cultivava a horta
minha doce e santa e mãe de minha mãe
e de tantos foi Aurélia
Do Riachinho de Lia e Lurdinha e Maurinho e Ci
E de João que me defendia dos moleques
no meu poço de frouxura
Tia Aurélia foi a Santa que eu conheci em vida
Só quem soube ter tantos
Para ser por todos somente o bem
Eu me perco num passado mas presente do que nunca
Era a brincadeira de pular corda
a corda de couro surrada vinda da lagoa
a praça e pura terra sem broquete sem cimento
o muro ao redor da igreja
vencido pela nossa malfazeja molecagem
para o desespero de Teté e padre Tolentino
Do tempo em que a gente não podia ir ao subtenente
Nem aos jogos do salão paroquial
Era um tal de saltar as janelas sorrateiramente
frente a vontade de ser gente
grande dono das possibilidades
E a luz que ia embora
O sinal que apontava um final de noite escura
quem teve aulas com luz a gás o sabe
Velha escola Filomêna Fialho
De mestres consagrados
Cassiano, Dos Anjos, Marina, Eny, Lourdinha, Nancy,
Izilda, Toninho, Mauro e João
E Aparecida Campos inteligente e elegante e fina
Eu fui do tempo da Escola da D'arc na praça
Outra santa em nossas vidas
Tipo irmã da minha mãezinha
E tinha a escola de Latão
Pondo na história outra Terezinha
Eu tenho em minha memória olfativa
O beca de Maria Pequena
Onde o Zeca joga biloquê
Onde se comprava balas no boteco do Cemídio
Onde se subia em disparada para o ponto de ônibus
Quando o terminal era a pensão da Dona Amélia
Ali era a imediação das tentações, das guloseimas
O pudim da Dona Zélia, sempre belos nos leilões
E quem naquelas paragens ficou
Sem comer de pastel e ou glacê de Aparecida
de quase um meu paizinho Euler
pescador e meu mentor intelectual
Ai se voltassem os circos
Vênus é Paz, Brasil é Amor
E todo mundo delirava com o
Pam ram pam pam pam pam
E era paz e amor que desejavam para todos nós
Também somente agora no coração de muita gente
a boite de Negrim
Na era do rádio e da ingenuidade
quando íamos aos casamentos na matriz
ansiosos para o beijo na boca dos noivos
dentro do carro, de frente a igreja
peça maior dos álbuns de fotografias
Penso que ninguém pensa em ponte
Sem pensar em Poções e Riachim
Sem querer ir para os lados da fazenda de Juquinha
Lá pros coxos o recanto
para o excitante e hesitante
desejo dos rapazes e das moças
Êta, que a vista era melhor assim tão besta
De piquenique, de ir a pé pra cachoeira
De fuxicar da vida alheia
como todos se cuidavam
da porta de Dona Merinda
Dos chafarizes nas ruas
até as poeiras do tabulerim
e da ladeira vermelha
Quando a TV chegou
Talvez por milagre de Deus
Gê do Ci suportava toda a molecada
em hipnose por fogo sobre terra
A sala se fazia de cinema paraíso
A vida era inteira porque quase não ia além disso
Tudo previsível e singelamente orquestrado
farmácia de Zé Laércio
Padaria de João Vieira
A festa de fogueira de São João
A semana santa de Conceição
Que era Verônica pra fazer a gente chorar
Eu sei que o tempo não volta
Eu sei que a gente nem pode voltar
Por isso mesmo penso
que o que é sublime e
demais delicioso
É ter ardendo no peito
A lembrança de tantos rostos
os feitos, as estrepolias
e é assim que a modernidade
não sepulta os nossos dias
"Palavra é a (Ponte) onde o amor
vai e vem"
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que lindo isso... vontade de acolá encravada na pele...me lembra nem sei o que de saudade
ResponderExcluircibeli passos
Que lindo, Ró!
ResponderExcluirQue lindo, Ró!
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