Hoje o dia amanheceu para café.
Na minha cabeça insiste uma lembrança
como se cantasse um galo neste céu cinzento da cidade.
Faz frio gostoso sem choque térmico
na confluência das pernas gritantes
dos homens e mulheres que ruminam a ida ao trabalho
chove fino prometendo salvação nos mananciais da cantareira
e o trem não para abarrotado de hálitos pouco dormidos
dos corpos esquecidos dos prazeres tão distantes das orgias
como esse povo gostaria de estar em casa para um chocolate quente
as almas se aquietaram neste mundão eterno de gente
que o metrô amassa enquanto a vida vaza nesses trilhos
e mesmo em meio a tudo isso ouve-se bom dia
do senhor velhinho e lindo e do menino vendido da cracolândia
da grávida de outra vida quase sem motivação
o povo todo em oração e em crença meio que latente
a tentação, a pouca imaginação, a sede de aguardente
hoje o dia amanheceu para café
na minha cabeça insiste também umas cantigas
quase como se eu ouvisse a ladainha das lavadeiras
em meio ao espremido desse povo sem gemido
sem tempo para choradeira, para a fornicação
parece que o aroma do tesão voou pela janela do vagão
num contraponto que deixa tudo amalgamado e ermo
sem umectância, sem ereção, somente um rolo compressor
hoje o dia amanheceu diferente
não menos diferente do que acontece todo dia
completamente destituído e com promessa de alegria
por isso o trem não para com esse entra e sai
agora sem espaço para os vendedores ambulantes
sem lugar para animação de todos que cochilam
o frio, a chuva e o cafezinho quente
tudo junto misturado e de peito rente
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